O que nos MOVE ... artear ... palhaçartear!

14/06/2021

por Nilo Netto

                                                                                                                                                                                                                   Daquilo que dissemos: o que agora é falso?
                                                                                                                                                                                                                                                    Tudo ou alguma coisa?

                                                                                                                                                                                                                                       Ao que hesitam, Bertold Brecht.

 

Eu sei, vivemos tempos duros.
Que tempos não o são? 
Os tempos de fartura? 
E como poderia me fartar se ao outro falta o pão? 

O pão, que quando se assenta preenche do estômago à alma. A alma, ávida como uma peneira, parece sempre ter novos desejos a esburacar a existência. Essa inquietude que alimenta a fome é a mesma que empurra o mover. 

Fazer arte é artear. 
É, por isso, costura de respiração. É tecer e oxigenar. 

Artear é forma e conteúdo da assunção posicionada no mundo, diante do estômago vazio e da alma impedida do fantasiar. Artear é forma e conteúdo do saber, do como saber, da expressão do saber, do socializar o saber. Artear é criação libertada e auto-libertada que ora se encaminha, ora escapole dos farpados arames da majestosa propriedade. Artear é respirar no intragável. Artear é costurar na mutilação. 
Nos teares do existir habita uma figura. Desajustada, devaneante, inadequada. Bebe daquilo que há de mais humano na humanidade: sua enorme capacidade de errar. Alimenta-se no eu. Não um “eu” hipostasiado. Mas, sim, em um “eu” constituído na relação contraditória entre o próprio ser, a consciência e a experiência social. Traz à tona. Oferenda ao outro. Ao riso do outro.
Faz o jogo do afeto. Afeta porque toca e emociona. Em altos e baixos, profundos e superficiais lugares. Afeta-se. Divide o que sente no mais nobre ato comunitário. Socializa seu risível, agrega-se ao risível do outro. Na angustiante cidade da cólera ela ri. Na taverna do gozo fácil e indiferente ela irrompe. 
Uma figura cuja máscara revela, ao invés de omitir. Uma figura cujo encontro com a imagem desestabiliza a apatia. No afetar e afetar-se dos dias, ela segue a bailar contra os muros que criamos entre os idênticos – colecionadores de tropeços. Isso move. Isso me move.

Palhaço!

Entre o que se diz ser o ser-em-si dessa figura, e o que se protagoniza vivamente a partir dela, é que encontro meu caminho para vivê-la em reticência... Reticer, retecer… Artear pontes por meio dela… Costurar mantos e mantras do comum… Derrubar as fronteiras que nos separam do pão e da fantasia...
Estar. Estar com. Estar junto. Estar aqui e não ali. 

Por pão, por riso, por encontros: palhaçartear...

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